segunda-feira, 12 de abril de 2010

EM DEFESA DOS PROFISSIONAIS DE DANÇA, IOGA E ARTES MARCIAIS

Por: Marcus Rezende e Ricardo Andrade

O sistema CONFEF/CREF quer criar uma reserva de mercado, quando obriga que somente profissionais de Educação Física possam ensinar dança, ioga e artes marciais.

O Conselho Regional de Educação Física do Rio de Janeiro – CREF1 e o Conselho Federal de Educação Física – CONFEF, insistem na tese de que as artes marciais, a dança e a ioga são atividades pertinentes ao profissional de Educação Física e que, portanto, somente podem ensinar essas atividades, aqueles devidamente registrados no CREF de sua região e no CONFEF, e que ainda, para tanto, façam o curso de nivelamento de dois anos para se tornarem um “P” (Provisionado). E mais, o tão importante “P”, será obrigado a pagar uma anuidade de igual quantia à paga pelo profissional de Educação Física, com capacitação plena para atuar na área, enquanto o “P” só pode atuar restrita e especificamente em sua área. Não seria justo e coerente que, tendo limitação de atuação, fosse lhe imposta uma anuidade de menor valor?

O juiz da 9ª Vara Federal da seção Judiciária do RJ, no processo 20025101004894-2 (este é o número que consta na revista oficial do CONFEF de março de 2007), decidiu que profissionais de dança, ioga e artes marciais não podem exercer suas profissões se não estiverem devidamente registrados nestes Conselhos. Essa é uma decisão, diga-se de passagem, que será devidamente cassada.

A argumentação do juiz, alegando que as artes marciais estão ligadas ao desporto e que algumas modalidades já são olímpicas (e que, portanto, têm que ficar sob responsabilidade dos CREFs) pode ser desmontada quando lembramos que o tênis de mesa, o hipismo, o tiro com arco e o tiro esportivo também são modalidades olímpicas. Será que o jeito de se pegar em uma raquete de tênis e a respectiva técnica desenvolvida para dar um efeito na bolinha de ping-pong é algo pertinente a um profissional de Educação Física? Da mesma forma no tiro esportivo, cujo representante brasileiro nem tem somatotipo de atleta. Ele sabe é atirar, e bem; e treina para isso. Será que algum educador físico teria competência para ensinar alguém a fazer o mesmo? O que dizer então das artes marciais?

Façamos um desafio: apresentamos um praticante de Taekwondo adolescente a qualquer um dos diversos mestres ou doutores em Educação Física do país, para que, a partir de seu conhecimento e da cientificidade, transforme esse jovem num atleta de alto rendimento num prazo de oito anos. O que acham? Ele conseguirá? Claro que não, porque o ensinamento da arte marcial, condição precípua, tem que ser ensinada por um instrutor, professor ou mestre de Taekwondo.

Para ilustrar, vamos discorrer sobre um fato ocorrido em meados de 1999: o Mestre Clóvis Aires, recebeu uma menina de 13 para 14 anos em sua academia. Ao observá-la nas aulas de Taekwondo, Mestre Clóvis, experiente em seu ofício, notou o diferencial da adolescente e proferiu a seguinte frase – se você continuar treinando assim, será campeã mundial em três anos. A menina achou o máximo, mas no fundo, também achou exagero do mestre. Pois bem, em 2000, ou seja, três anos depois, ela conquistava de forma inédita a medalha de ouro no Campeonato Mundial Juvenil, em Killarney, Irlanda. O nome dela? Natália Falavigna. Conhecem?

Enquanto praticante, o aluno de Taekwondo, seguindo a tradição milenar, tem o seu ensinamento coordenado por alguém capacitado pela entidade reguladora, no caso a CBTKD. Caso o praticante atinja um nível que o eleve à condição de atleta, haverá a necessidade da atuação de uma equipe multidisciplinar ou num primeiro momento, de profissionais que irão contribuir na melhor formação atlética do praticante, não substituindo o responsável pelo ensinamento técnico, até então ensinada pelo instrutor, professor ou mestre competente e que o levou até àquela condição.

Será que os mestres coreanos que aqui chegaram há mais de 30 anos perderam a capacidade de ensinar?

Será que a Ana Botafogo não é mais competente para ministrar aulas de dança?

E o Carlinhos de Jesus?

E o Mestre De Rose, está impossibilitado de passar seus ensinamentos de Yoga, por não ter feito um curso de capacitação no sistema CONFEF/CREF?

As evidências são tão claras, tão cristalinas, tão irrefutáveis que, sinceramente, se tornam óbvias, repetitivas e enfadonhas.

Absurdo não é a reivindicação do sistema CONFEF/CREF, entitulando-se detentor e regulador de tudo aquilo que se traduz em atividade física, absurdo mesmo é o rol de entidades responsáveis pelas diversas modalidades atingidas por essa usurpação de autonomia, que nada fazem por seus filiados, incluída nessa gama, infelizmente a CBTKD e federações estaduais.

A Lei 9696/98 que trata da criação do sistema CONFEF/CREFs tem artigos subjetivos que indicam que toda a atividade física deve ser de responsabilidade do profissional de Educação Física. Ora, o que seria atividade física, afinal? Aprender a tocar um instrumento musical não deixa de ser... Para se aprender a tocar um violino, por exemplo, são necessários inúmeros movimentos com os braços, diariamente, durante horas. Pode um Professor de Educação Física dizer ao professor de violino como ele deve desempenhar sua função, calcado em seus parâmetros acadêmicos?

Portanto, essa situação - que somente está prejudicando os profissionais que sustentam suas famílias, já que o sistema CONFEF/CREFs se acha no direito de fiscalizar estabelecimentos onde a prática da modalidade está sendo ensinada -, chegou a um estágio no qual é preciso que haja uma decisão definitiva. E essa decisão com certeza será favorável a classe dos professores de arte marcial, dança e ioga e a decisão do Juiz da 9ª Vara Federal não se sustentará.

Vale a pena, além de ser superpertinente, lembrar de um episódio ocorrido há 23 anos, precisamente em meados de 1994. Um praticante de Taekwondo, com graduação de 3º gub, cursava o 1º período de Educação Física na Universidade Castelo Branco (RJ) e ficou fascinado com as matérias que conhecia (Psicologia do Esporte, Didática, Anatomia, Recreação e Jogos etc), além dos diversos cursos de extensão e palestras apresentadas no campus da universidade por mestres e doutores em Educação Física. Mais que motivado e vislumbrando com a grande contribuição à melhoria do ensino da arte marcial que praticava, após um treinamento, pediu licença para conversar com o mestre coreano que coordenava o grupo ao qual fazia parte, e disse: – Mestre, pelo que estou conhecendo no curso de Educação Física, entendo que poderíamos proporcionar aos faixas-pretas algum tipo de acesso a esse conhecimento, para que pudéssemos aumentar o nível não só dos professores, mas principalmente dos alunos, unindo a filosofia e técnica do Taekwondo ao conhecimento científico. E o Mestre respondeu – meu filho, Educação Física é corpo, Taekwondo é mente, mente supera corpo, Educação Física não tem nada a ver.

Pois bem, os anos se passaram, aquele praticante, então aluno de Educação Física, se graduou, se pós-graduou, se tornou mestre em Taekwondo e, espantado, constatou que anos mais tarde o sistema ao qual faz parte enquanto profissional de Educação Física, se arvorava no direito de fiscalizar e normatizar suas atividades como praticante, instrutor e mestre em Taekwondo. E pior, o mestre coreano citado acima e os demais conterrâneos jamais se manifestaram em defesa das centenas de instrutores, professores e mestres, formados por eles, ou seja, em defesa do que eles próprios haviam ensinado.

Na realidade o que deveria ter sido feito (e ainda há tempo), pela CBTKD e afiliadas, aliás, seguindo os mesmos parâmetros utilizados, com sucesso, quanto à gestão da Equipe Olímpica Permanente, seria um convênio com uma ou mais universidades, visando a realização de cursos de extensão objetivando aumentar e qualificar o conhecimento e capacitação dos instrutores, professores e mestres de Taekwondo. A partir daí, aqueles que ministram aulas de Taekwondo poderiam oferecer seus serviços, apresentando currículos diferenciados, fazendo valer e valorizando a busca pessoal pela evolução e a busca do conhecimento, o que acontece em qualquer atividade. Sim, em qualquer atividade profissional, porque qualquer empregado, qualquer funcionário, mesmo informal, normalmente pensa em melhorar sua performance, sua atuação, visando aumento salarial e progressão funcional, através de cursos e busca pelo conhecimento que o diferencie no mercado de trabalho. E no caso do Taekwondo brasileiro, a competência por implementar e/ou ministrar esse tipo de curso seria exclusivamente da CBTKD e afiliadas, que deveriam se ater ao que versa seus estatutos, para não só valorizar os faixas-pretas filiados, mas, a partir daí, fomentar a divulgação e evolução dos que ensinam e dos que aprendem, sempre na busca pela excelência da prática da arte marcial em todos níveis.

Infelizmente não constatamos tal atitude, mas pelo menos, alguns mestres e professores em suas respectivas escolas de Taekwondo, procuram realizar cursos, seminários e palestras, visando única e exclusivamente a melhoria da qualidade do praticante e não ao enriquecimento pessoal e desmedido, que certamente é ilícito.

O que mais causa espanto é o fato da CBTKD se omitir quanto a esta questão e não defender seus filiados, querendo que os mesmos acreditem que serão obrigados a fazer tal curso. Um absurdo completo. É triste que o presidente não tome nenhuma atitude contra tamanha arbitrariedade.

Sobre os Autores, Marcus Rezende é Jornalista e Mestre em Taekwondo, 5º Dan e Ricardo Andrade é Profissional de Educação Física, pós-graduado em Treinamento Desportivo de Alto Rendimento e Mestre em Taekwondo, 4º Dan.

COMPLEMENTO:

Abaixo a síntese do parecer da relatora JUIZA VALERIA ALBUQUERQUE NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - 105807 do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 2º REGIÃO de setembro de 2004

...Amparado no permissivo constitucional de condicionamento do exercício profissional, o legislador editou a Lei nº 9.696/98 que regulamentou a profissão de Educação Física e criou os Conselhos Federal e Regional de Educação Física. O art. 2º da referida lei, assegurou aos não graduados, que já exerciam o ofício da Educação Física antes da sua vigência, o direito a inscrição no respectivo Conselho. Entretanto, o Conselho Federal de Educação Física, na Resolução nº 013/2000, estabeleceu condições para o registro dos não graduados, em desacordo com a norma legal e constitucional. Tal Resolução restringiu o direito dos não graduados ao estabelecer a exigência de ´curso de nivelamento` a ser prestado pelo Conselho Regional, o que não se admite . 3. É de se ressaltar, ainda, que as atividades aqui destacadas (artes marciais, ioga e dança), apesar de poderem ser exercidas por profissionais de Educação Física, não lhe são próprias. A dança, por exemplo, necessita de formação acadêmica diversa e se encontra vinculada a órgão de classe próprio. A ioga e as artes marciais não fazem parte da formação do profissional de Educação Física, não estando os graduados aptos a lecionar quaisquer de suas modalidades . Não se justificando a pretendida submissão ao CREF1 .

Ver redação original: JURISPRUDÊNCIA UNIFICADA
No site da Justiça federal: www.justiçafederal.org.br

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